A Virada – O Nascimento do Mundo Moderno de Stephen Greenblatt
Resenha de Adriana Gomes
Leitura fantástica, mas prepare-se para ter suas crenças religiosas questionadas. Quem as questionou durante a Renascença pagou na fogueira. Desfrute, pois hoje em dia podemos ler um livro como estes sem o risco de sequer um chapisco. Pensar e questionar são luxos que foram conquistados para nós por pensadores corajosos, que no decorrer da história desafiaram o poder da Igreja Católica no ocidente, muitos inspirados por “Da Natureza”. “A Virada” narra esta evolução.
Stephen Greenblatt recebeu em abril o Prêmio Pulitzer de 2012 de não-ficção por sua obra “A Virada – O Nascimento do Mundo Moderno”. Em sua citação o Comitê do Pulitzer declara que “A Virada é um livro provocativo que argumenta que um trabalho de filosofia descoberto há 600 anos mudou o curso da história, antecipando os avanços científicos e a sensibilidade do mundo de hoje.”
No inverno de 1417, provavelmente em um mosteiro alemão, o humanista italiano Poggio Bracciolini encontra um manuscrito em más condições, mas com seu grande conhecimento de latim e literatura clássica romana, ele reconhece o valor extraordinário do seu achado. Poggio imediatamente ordena que o manuscrito seja copiado, e então enviado a seu amigo e companheiro humanista Niccolò Niccoli em Florença, na Itália.
Apesar de sua grande apreciação pelo poema, Poggio enfatiza sua beleza e a extraordinária habilidade poética de Lucrécio, mas não aborda os valores epicuristas da obra. Este é o começo da Renascença, e a Igreja Católica está em pé de guerra contra qualquer ameaça aos seus dogmas; manifestar simpatia pelas idéias revolucionárias em “Da Natureza” é extremamente arriscado.
Como Greenblatt escreve, “nenhum cidadão respeitável diz abertamente: A alma morre com o corpo. Não há julgamento após a morte. O universo não foi criado pelo poder divino, e toda a noção de vida após a morte é uma fantasia supersticiosa”. Ainda assim Lucrécio influenciou durante toda a Renascença vários artistas, pensadores e cientistas com as idéias de Epicuro.
Ao falar sobre os átomos “Lucrécio, que não gostava de linguagem técnica, não usa o termo filosófico grego, mas afirma que tudo é composto de partículas invisíveis. Tudo é formado por essas sementes e, em caso de dissolução, retorna à elas no final. Imutáveis, indivisíveis e infinitas em número, elas estão em constante movimento, chocando-se umas com as outros, unindo-se para formar novas formas, desmoronando e recombinando-se novamente, eternas.”
“A Virada” argumenta que “Da Natureza” mudou o curso da história, trazendo a filosofia epicurista de volta à luz. As cópias e traduções do livro inspiraram artistas renascentistas como Botticelli e pensadores como Giordano Bruno; moldaram o pensamento de Galileu e Freud, de Darwin e Einstein; e influenciaram escritores como Montaigne, Shakespeare e até Thomas Jefferson.
Apesar de “A Virada” ser um livro de não-ficção, a história da aventura de Poggio Bracciolini à caça de manuscritos raros pela Europa, tem em vários momentos a fluidez de uma obra de ficção. Leitura interessante e estimulante, porém se você não gosta de ver suas convicções religiosas questionadas, talvez este não seja um bom livro para você.
Duas semanas atrás, se alguém perguntasse qual meu livro favorito, eu teria dito “Memórias de Minhas Putas Tristes”, de Gabriel García Márquez. Se me perguntarem hoje, eu talvez responda “A Virada”, de Stephen Greenblatt.
2 Comments
Adorei a dica, Adri! Eu adoro livros desse tipo. Vou ler, certamente!
Obrigada San, leia sim que é ótimo.