Empatia

Posted by Adriana Gomes on 17/10/2012 in Escrevendo |

Leio muito sobre como escrever melhor. A Internet está cheia de artigos sobre como criar diálogos mais envolventes, como inserir suspense na sua narrativa, qual a melhor forma de estruturar seu manuscrito, e recentemente foi-me oferecido um webinar chamado “A Física de uma Estória”, seja lá o que for isso. Há uma abundância de títulos criativos para artigos  sobre “como fazer melhor”, e livros de autoajuda para escritores. Acho tudo isso ótimo, juro. Sou agradecida pela infinidade de informação, facilmente acessível através da internet, que me ajuda no meu trabalho. Porém, a ferramenta mais importante que eu tenho como escritora, é minha empatia, minha conexão emocional com meus personagens.

De acordo com o dicionário Aurélio, empatia é uma forma de identificação intelectual ou afetiva de um sujeito com uma pessoa, uma idéia ou uma coisa.

Ou seja, empatia é, simplesmente, a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro. Quando eu escrevo eu estou sempre me vendo no lugar dos meus personagens, do mocinho ao bandido. E quanto mais eu consigo me distanciar da minha própria realidade, e mergulhar profundamente no papel dos meus personagens dentro da trama, mais pura a minha empatia, e mais forte minha conexão.

Há muitas maneiras de ampliar a nossa capacidade de sentir empatia. Nós aprendemos através das nossas experiências pessoais, e da nossa exposição à vida. E não é de se estranhar, que leitores ávidos têm níveis superiores de empatia. Mas eu tive a oportunidade maravilhosa de viver em três países, em três continentes distintos. E posso atestar que não há nada como a total imersão em outras culturas, para ampliar nossas idéias, aumentar o nosso respeito por estilos de vida diferentes, e a nossa tolerância a pontos de vista opostos, e portanto, nossa empatia.

Não há nada como ver uma criança pequena sentada no meio-fio com fome em uma província chinesa distante, onde as únicas fontes de proteína são carnes exóticas e insetos, para compreendermos, e aceitarmos, que para essa criança seria um prazer comer carne de cachorro, se ela conseguisse ter acesso a um prato. Diante deste quadro a repulsa desaparece. Se você pudesse prepararia de bom grado uma suculenta perna de cachorro para ela. Mas como não tem nenhum cachorro por perto, você acaba oferecendo uma bolacha cheia de açúcar para a criança, que acabará por estragar os dentes dela, pois se ela não tem acesso a comida, tão pouco terá à escova de dentes e fio dental. Horas depois, quando você finalmente chegar de volta ao seu hotel, se sentirá impotente diante da dura realidade chinesa, e miserável por ter dado o doce para a criança. Assistir a um documentário sobre tais circunstâncias é uma coisa, ver de perto, cheirar, e tocar, é outra completamente diferente. Eu não estou escrevendo isso para fazer você se sentir mal, mas uma experiência como essa nos faz muito mais tolerantes a diferentes hábitos alimentares pelo mundo, sem mencionar mais dispostos a ajudar.

Escolhi este exemplo não só por ter me marcado, mas também porque me fez perceber que eu estava dessensibilizada pelas minhas próprias experiências crescendo no Brasil, onde durante meus anos de formação, vi muita pobreza e fome, até o ponto em que a miséria não me tocava mais tão profundamente. Quando vivia no Brasil, eu costumava ter sacos de pãezinhos, ou pacotes de bolacha no meu carro, e cada vez que eu parava num farol, se uma criança ou um mendigo pedia dinheiro, eu lhes oferecia comida. Cansei de ver, tanto crianças como adultos, jogando a comida que eu tinha acabado de dar na sarjeta. Eles queriam dinheiro, seja para drogas ou para bebida, ou para dá-lo ao dono da esquina que os havia levado para pedir esmolas. Saí do Brasil há quase quinze anos, e sei que a situação do país melhorou, mas também sei que ainda encontramos situações como as que descrevi nos bairros mais pobres das grandes metrópoles brasileiras.

Claro que a maioria dos pedintes agradeciam o alimento, e muitos pediam mais para levar para casa. Mas sendo extremamente honesta, a verdade é que eu estava tão acostumada a esses encontros diários, no meu caminho para a faculdade ou para o trabalho, que tudo parecia casual. Não há nada casual sobre a fome, e quando me deparei com ela fora do meu cotidiano, me vi chocada como quando era criança no Brasil, e queria que meus pais trouxessem todas as crianças que eu via pedindo na rua para casa conosco. Esta percepção do quanto eu estava anestesiada me trouxe de volta não só a sensibilidade ao desespero da pobreza e da violência, como me fez muito mais capaz de apreciar as minhas próprias bençãos. Não notamos como nosso ambiente nos transforma porque a mudança é gradual, e sem perceber vamos diminuindo nossa capacidade de empatia pouco a pouco.

Para evitar que esta letargia social volte a me dominar, tento manter minha cabeça aberta. Além das escolhas óbvias, tais como ler e viajar, também procuro dispor do pouco tempo estra que tenho para voluntariar, e estou sempre a disposição para ajudar os amigos. O bacana é que quando eu ajudo ao próximo, imediatamente recebo ajuda de volta. É uma troca, um pouco de meu tempo por uma melhor eu, e meu trabalho como escritora sempre se beneficia.

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