Crítica Literária Personalizada e Paga
Experiência dolorosa, mas extremamente benéfica, onde um escritor paga a um agente, ou outro profissional experiente do mercado editorial, para que critique seu manuscrito.
Aqui nos Estados Unidos, quando atendemos a uma conferência de escritores, em geral podemos optar por ter parte de um projeto em andamento analisado por uma quantia módica. Afinal quem opta por este serviço, em geral ainda não tem nenhum trabalho publicado, e não pode pagar preços ostensivos. Somente o custo de atender a uma conferência destas já pode quebrar a banca.
Passei por este crivo, sobrevivi, e sai fortalecida. Que difícil ouvir sobre as limitações da sua criação. Este manuscrito está longo demais para a faixa etária; este trecho está complexo “demais”, maduro “demais”, jovens preferem ter apenas um ponto de vista no decorrer de uma estória; o mercado infantil de livros ilustrados está saturado de bichinhos falantes; cuidado para não antagonizar leitores potenciais com estereótipos negativos explícitos “demais”; este personagem me parece confuso “demais” sobre suas emoções; e assim por diante. Entre diferentes críticas personalizadas aos três projetos distintos que estou desenvolvendo já ouvi tudo isso, e obviamente meu maior problema são os “demais”.
Claro que não concordo com absolutamente tudo que ouvi, porém vários pontos importantes ficaram claros para mim, e estou revisando meus manuscritos respeitando certas demandas do mercado. Muitos dirão que a arte não deve ser moldada pelo “marketing”. Refleti muito sobre isso e penso que se quero que meu público alvo ouça a minha mensagem, tenho que falar sua língua. Meus momentos mais viscerais podem seguir ocultos.
Clarinha Paleontologista
– Mãe, quando eu crescer quero ser uma paleontolista.
– Uma PALEONTOLOGISTA filha, por que?
– Ah mãe, por favor né! Eles ficam cavando na areia o dia todo, procurando por OSSOS DE DINOSSAUROS! Eu vi na TV. Este deve ser o trabalho mais legal que existe! E sabe o que mais? Você poderia viajar comigo ao redor do mundo, e enquanto eu brinco, quero dizer, trabalho na areia, você fica na sombra lendo seu livro. Como você faz quando me leva ao parque.
– Não sei não filha, você pagaria pelas passagens aéreas e tudo o mais?
– Claro, eu serei uma paleontolista exploradora rica e famosa. E você poderá escrever estórias sobre os lugares que a gente visitar juntas.
– Gostei desta idéia Clarinha.
– Assina aqui filha.
– O que é isso mamãe?
– É um contrato, caso você se torne uma paleontologista de sucesso e esqueça esta conversa.
O Segredo de Frida Kahlo
Entre os objetos pessoais de Frida Kahlo descobertos na casa azul, onde ela viveu e morreu, havia um pequeno caderno de capa preta. Um presente de casamento de sua querida amiga, amante e alma gêmea Tina Modotti, a fotógrafa italiana comunista que apresentou Frida ao famoso pintor mexicano Diego Rivera. Neste caderno simples que Frida chamou de “Livro da Erva Santa”, ela escreveu memórias, piadas pessoais e suas receitas favoritas para o Dia dos Mortos. “Era para ser exibido pela primeira vez em uma exposição no Palácio de Bellas Artes. Mas no dia da abertura da exposição ao público, descobriu-se que o livreto havia desaparecido.”
F.H. Haghenbeck entrelaça habilmente os períodos mais importantes da vida de Frida com folclore mexicano e ficção para criar uma farsa deliciosa. Usando o clima político dos anos trinta e quarenta, a começar pela Revolução Mexicana como cenário, a narrativa abrange a infância de Frida, seu primeiro amor que a deixou após o acidente que quase a matou, seu tumultuado relacionamento com Diego Rivera; seu despertar artístico, sua evolução no mundo das artes plásticas, sua personalidade avassaladora, seu feminismo existencial, suas viagens aos EUA e Europa, seus encontros e romances com homens e mulheres notáveis de seu tempo.
Nesta estória, além de Rivera, o relacionamento mais intenso que Frida tem é com “A Chorona”, a morte, uma presença constante lembrando-a através de sua dor que ela vive em “tempo emprestado”. Quando Kahlo morre pela primeira vez em um acidente de bonde, ela faz um pacto com “A Chorona”: para voltar a viver ela se compromete a preparar todos os anos no Dia dos Mortos os banquetes mais deliciosos. “Mas eu estou avisando,” diz sua nova madrinha, “você sempre desejará ter morrido hoje. E eu irei lembrá-la disso todos os dias de sua vida.”
Seu compromisso com o Dia dos Mortos, juntamente com o grande apreço que Rivera tem por iguarias mexicanas, são as principais inspirações para que Frida se torne uma cozinheira excepcional. E para ilustrar esta faceta dela cada capítulo termina com um trecho do “Livro da Erva Santa” incluindo uma receita. Eu não pude deixar de experimentar uma, e posso garantir que o Lombo ao Molho de Tequila é uma delícia.
Sempre apreciei a arte de Frida Kahlo e admirei esta mulher que teve uma vida extraordinária, porém muito sacrificada. Não a vejo como a criatura obssecada por Diego Rivera da interpretação de Haghenbeck, mas desfrutei do livro como a obra de ficção que é.
O Livro Secreto de Frida Kahlo é uma reinvenção de sua história. Faz cinquenta e oito anos que ela morreu, no entanto sua vida e sua arte ainda capturam nossa imaginação. F. H. Haghenbeck escreveu um livro envolvente que prende o leitor até a última página.
Gabriela, Cravo e Canela
Reler um autor que gostamos é sempre um prazer, reler Jorge Amado é uma redescoberta. Toda virada de página repleta de ambição, medo, paixão, e traição, sentimentos poderosos que dominam a estória de Gabriela e Nacib, e de todos os demais personagens desta trama, que sempre me prende do início ao fim.
A cada releitura, uma faceta sempre se destaca. Na adolescência, me impressionou a sensualidade que transborda das páginas; aos vinte e poucos anos, lembro de me revoltar com a violência praticada pelos coronéis numa terra sem lei; desta vez, foram as maneiras distintas como os personagens lidam com as mudanças em Ilhéus, e em suas próprias vidas, que mais prendeu minha atenção.
Mundinho Falcão é o agente externo que luta contra o status-quo, ele mesmo buscando mudanças pessoais. Coronel Bastos já não consegue se adaptar aos novos tempos, e ao “progresso” que chega a galope. Nacib muda por amor. Por amor ele muda suas expectativas de um dia casar-se com uma moça de boa família. Jorge Amado, em sua prosa brilhante, nos mostra a transição gradativa que sofre Nacib, pressionado tanto por sua atração por Gabriela, como pelo ciúme que sente. Quando finalmente ele decide casar-se com ela, passa a tentar mudá-la, transformá-la na moça de sociedade que ele pensava ser seu ideal de companheira.
Só Gabriela não muda. Ela segue a menina que brinca na rua; a adolescente cheia de vontades, que não gosta de ser contrariada; a mulher cheia de paixão, tanta que um só homem não sacia. Claro que Jorge Amado nos dá razões para a inabilidade de Gabriela em mudar e se adaptar, quando nos deixa saber um pouco mais da estória dela em suas reminiscências de infância. Mas eu, como leitora, me reservo o direito de vê-la como uma mulher indomável, que se recusa a ceder às pressões sociais, e leva sua vida de acordo com seus impulsos.
Os Sete Pecados Mortais da Escrita – Painel do ThrillerFest 2012
Me interessei por livros de suspense durante a adolescência, quando descobri Agatha Christie e seu incrível personagem “Poirot”. E entre os vários gêneros que leio, este é sem dúvida um que me prende bastante. Mas além do gênero em si, adicionar suspense a qualquer estória faz bem à trama, e por isso, apesar de não escrever suspense, me vi lendo tudo que encontrei na internet sobre o ThrillerFest 2012.
O ThrillerFest é uma conferência anual de autores, escritores, agentes, e entusiastas do gênero que atrai uma multidão de gente interessante a Nova York todo ano. Em sua sétima edição, a conferencia gerou uma coleção respeitável de artigos em blogs e websites sobre o gênero. E eu gostei muito de um painel com o tema: “Os Sete Pecados Mortais da Escrita”.
1 – Preguiça
Preguiça intelectual é algo que pode pegar qualquer autor, como por exemplo escrever o mesmo tipo de livro, e fazê-lo anualmente. David Hewson, autor britânico de romances policiais, incluindo a famosa série “Nic Costa” declarou: “Penso que devemos lutar contra a preguiça e nos desafiarmos constantemente.” Para escritores ainda não publicados, o exercício diário da escrita é essencial. Não devemos concluir o primeiro rascunho, e encerrar o dia. Eu tenho por hábito reler o que escrevi, e tomar notas do que preciso melhorar no dia seguinte.
2 – Tentar encaixar conceitos demais num manuscrito em detrimento da estória
Suspense é entretenimento, fatos demais podem emperrar a ação, o importante é manter o fluxo da estória interessante, acredita Lisa Gardner, autora de livros de suspense que chegou ao primeiro lugar na lista de bestsellers do New York Times com “The Killing Hour”.
3 – Seguir seu roteiro inicial muito de perto
De acordo com o autor do bestseller “Buried Prey”, John Sandford, enquanto preparar um roteiro para sua estória pode ser muito útil, segui-lo a risca pode fazer seu manuscrito rígido demais. Dê liberdade aos seus personagens e permita-se sair um pouco do plano original.
4 – Negar o ciúme
M. J. Rose, autora de “The Hypnotist” diz “tentar não sentir ciúmes dos trabalhos de outros autores”, quando de fato ela acredita que como escritores devemos nos permitir sentir toda gama possível de emoções. Eu, particularmente, fico encantada ao ver escritores se destacando, e acho que um pouco de competitividade faz muito bem.
5 – Foco exagerado no aspecto comercial
Sandford fala sobre alguns colegas que dedicam grande parte do seu tempo a promover seus livros já publicados, ao invés de escrever mais livros. Compreendo o ponto de vista dele, sem dúvida não se deve ignorar o lado comercial de uma publicação, mas o equilíbrio é essencial. Afinal um autor, é antes de tudo um escritor.
6 – Não ler livros
Ler é imprescindível aos escritores. M. J. Rose cita que 23% dos americanos dizem que gostariam de escrever um livro. Se todos eles lessem pelo menos dez livros por ano, todos nos beneficiaríamos. Escritores lêem.
7 – Imitação
Existe uma grande diferença entre ser influenciado por um livro e imitá-lo. David Hewson diz que tentar descobrir por que certas coisas funcionam e outras não, nos livros que lemos, pode ser uma grande ferramenta de aprendizado, mas devemos ser cuidadosos ao aplicar nossas observações.
Achei todos estes pontos válidos. Não sei se os considero pecados mortais, mas até aí, sou bastante liberal, e acho o conceito pecado mortal um tanto exagerado, coisa de livros de suspense mesmo.
“50 Tons de Cinza” leva a baby-boom nos Estados Unidos
Após uma ausencia de duas semanas, por conta de férias no Brasil, hoje, finalmente, sentei-me para escrever no blog. E não consegui evitar falar sobre o livro que vendeu 10 milhões de cópias nas últimas seis semanas, somente nos Estados Unidos, e que já está disponível no Brasil em pré-venda: “50 Tons de Cinza“.
Acredite se quizer, mas aparentemente, graças a trilogia erótica da inglesa E. L. James, as mulheres americanas andam sentindo mais intensamente o apelo de sua sensualidade, e nove meses depois que isso acontece, bebês nascem.
De acordo com o depoimento de várias grávidas no website americano BabyCenter.com, em breve as maternidades americanas estarão ajudando muitos bebês a vir ao mundo inspirados pelo romance risqué entre Christian e Ana. Podem chamar os livros de eróticos, de pornô para mães, ou simplesmente de best-sellers, seus efeitos sobre a libido feminina americana são inegáveis.
Os homens que inicialmente ridicularizavam a obsessão feminina coletiva, rapidamente passaram a apreciar os benefícios de ver suas mulheres devorando os livros, e em seguida, eles mesmos. Mulheres por todo país abraçaram suas deusas interiores, e agora, por consequência, estão se preparando para abraçar a maternidade.
Uma simples pesquisa de tendências no Google, mostra que buscas mencionando “grey pregnancy” (gravidez grey – sobrenome do personagem masculino principal da estória) triplicou nos últimos três meses. E espera-se que bebês chamados Christian a Ana liderem os registros de nascimentos de 2012. Me pergunto, porém, como essas mães explicarão aos filhos, onde encontraram inspiração para seus nomes daqui a dez anos.
A obsessão é tão grande, que a cientista inglesa Dr. Faye Skelton criou um retrato virtual do personagem por trás do fenômeno. Utilizando o mesmo software que policiais usam para fazer sketches de criminosos, ela se baseou na descrição de doze leitoras femininas para desenhar Christian Grey, o bilionário sadomasoquista da série, que ela diz ter feito apenas por diversão. Com características de celebridades como Brad Pitt, David Beckham, Ryan Reynolds, Johnny Depp e até Steve McQueen, o resultado foi considerado pelas leitoras vagamente familiar, mas não particularmente atraente como o deus sensual descrito pela autora, que só nos EUA já vendeu mais de 20 milhões de cópias, e apenas nos últimos seis meses ganhou em torno de 50 milhões de dólares.
O primeiro livro da série será lançado no Brasil pela Intrínseca dia primeiro de agosto, e a editora espera ver a trilogia fazer aqui, o mesmo sucesso que fez na Inglaterra e nos Estados Unidos. Será que nove meses a partir de agosto teremos um pico no nascimento de Christians e Anas no Brasil também?
Por que lemos?
Recentemente participei da “Cúpula Virtual da Publicação Digital”, uma conferência virtual, ou seja, uma conferência na qual você ouve os apresentadores pelos alto-falantes do seu computador, e digita suas perguntas para serem respondidas no final.
Foi uma experiência muito bacana, aprendi muito, mas não concordo com tudo o que ouvi. Principalmente o conceito de que lemos para escapar, ou prevenir dores. Esta idéia me deixou perplexa, não que talvez não toque num ponto interessante, mas a maneira como foi apresentada, como razão absoluta, me incomodou bastante. O palestrante, Sr. Jim Edwards disse: “As pessoas lêem ficção para escapar de dores, e não-ficção para evitar dores.”
O apresentador segue dizendo que ao ler ficção queremos esquecer a nossa realidade. E lemos não-ficção para: ganhar dinheiro; poupar dinheiro; economizar tempo; evitar esforço; ter sucesso; ser popular; sentir amor; e encontrar sucesso social. Durante aquela palestra tive a impressão de estar num seminário de auto-ajuda. É claro que eu leio livros para melhorar no meu trabalho ou, por exemplo, para aprender novas idéias sobre como ser mais organizada, mas eu prefiro abordar estas leituras sob uma perspectiva positiva.
Acredito que lemos ficção por prazer, e não-ficção para aprender, e para nos mantermos atualizados. Uma pesquisa recente da Pew Internet realizada nos Estados Unidos, com 2.986 entrevistados de 16 anos para cima, concluiu que as principais razões pelas quais lemos são as seguintes quatro: por prazer, para acompanhar eventos atuais, para pesquisar sobre temas específicos que nos interessam; por trabalho ou estudo.
Razões básicas porque as pessoas lêem
Os entrevistados citaram uma variedade de motivos para a sua leitura, especialmente quando se trata de conteúdo em formato longo, como livros ou artigos de revistas. Apesar de pessoas diferentes citarem suas razões de maneiras distintas, todas puderam ser classificadas nas quatro categorias abaixo. • 80% dos entrevistados de 16 anos para cima dizem que lêem pelo menos ocasionalmente por prazer. As mulheres (84%) são mais propensas que os homens (75%) a citar este motivo. • 78% dizem que lêem pelo menos ocasionalmente, para acompanhar eventos atuais. Esta razão é mais citada entre os entrevistados acima de 30 anos de idade. • 74% dizem que lêem pelo menos ocasionalmente, para pesquisar temas específicos que lhes interessem. Entrevistados com menos de 65 anos são mais propensos a citar esta razão. A questão da idade está parcialmente ligada ao fato de, proporcionalmente, menos idosos estarem no mercado de trabalho. Os pais com filhos menores (80%) são mais propensos do que os não-pais (72%) a mencionar esta razão para sua leitura. • 56% dizem que lêem pelo menos ocasionalmente, por trabalho ou estudo. Trabalhadores e estudantes dominam esta categoria, mas há algumas surpresas nos dados. Deste total, 23% dos trabalhadores em tempo integral dizem que nunca lêem nada relacionado ao trabalho ou ao estudo. Aqueles que têm níveis mais baixos de renda familiar e educação destacam-se nesse grupo dos que não lêem, nem por trabalho nem por estudo. Cerca de 50% dos trabalhadores em tempo integral dizem que lêem todos os dias, ou quase todos os dias, materiais relacionados aos seus empregos ou a escola; outros 16% lêem por trabalho ou estudo uma ou duas vezes por semana; outros 10% dizem que fazem essa leitura menos frequentemente do que isso. Os homens (58%) são mais propensos do que as mulheres (53%) a dizerem que lêem por razões relacionadas ao trabalho ou aos estudos. Os menores de 65 anos de idade são consideravelmente mais propensos a citar esta razão, em comparação com os idosos. Isto também está ligado ao fato de que, proporcionalmente, menos idosos estão no mercado de trabalho. E os pais (68%) são mais propensos do que os não-pais (48%) a dizer que lêem por este motivo. Você pode ler mais sobre esta pesquisa clicando aqui. |
Considerando-se não-ficção os dados acima são bastante explícitos e satisfatórios, mas para ficção eu prefiro as palavras de Robert Penn Warren. Em seu ensaio para o “Saturday Evening Post Society” em 1986 “Por que ler ficção?”, ele escreveu, “Por que lemos ficção? A resposta é simples. Lemos porque gostamos. E gostamos porque a ficção, como uma versão da vida, estimula e gratifica nosso interesse por ela. Mas qualquer que seja o apelo de uma obra de ficção, o interesse imediato e especial que nos leva a ela é sempre nosso interesse por uma boa estória.”
E ele toca no âmago do prazer que eu encontro em ficção quando diz: “A ficção nos oferece uma versão aumentada da vida onde tudo é novo, e temos a oportunidade de desafogar de maneira desinibida a grande carga emocional – lágrimas, riso, ternura, empatia, ódio, amor, e ironia – que fica guardada dentro de nós, presa no circuito fechado do torpor cotidiano. Além disso, esta consciência aumentada pode ser plenamente desfrutada, pois o que em realidade seriam ameaças de grandes problemas ficam aqui restritos à mera imaginação, e porque algum tipo de resolução do dilema é, devido a própria natureza da ficção, garantido.”
A Virada – O Nascimento do Mundo Moderno de Stephen Greenblatt
Resenha de Adriana Gomes
Leitura fantástica, mas prepare-se para ter suas crenças religiosas questionadas. Quem as questionou durante a Renascença pagou na fogueira. Desfrute, pois hoje em dia podemos ler um livro como estes sem o risco de sequer um chapisco. Pensar e questionar são luxos que foram conquistados para nós por pensadores corajosos, que no decorrer da história desafiaram o poder da Igreja Católica no ocidente, muitos inspirados por “Da Natureza”. “A Virada” narra esta evolução.
Stephen Greenblatt recebeu em abril o Prêmio Pulitzer de 2012 de não-ficção por sua obra “A Virada – O Nascimento do Mundo Moderno”. Em sua citação o Comitê do Pulitzer declara que “A Virada é um livro provocativo que argumenta que um trabalho de filosofia descoberto há 600 anos mudou o curso da história, antecipando os avanços científicos e a sensibilidade do mundo de hoje.”
No inverno de 1417, provavelmente em um mosteiro alemão, o humanista italiano Poggio Bracciolini encontra um manuscrito em más condições, mas com seu grande conhecimento de latim e literatura clássica romana, ele reconhece o valor extraordinário do seu achado. Poggio imediatamente ordena que o manuscrito seja copiado, e então enviado a seu amigo e companheiro humanista Niccolò Niccoli em Florença, na Itália.
Apesar de sua grande apreciação pelo poema, Poggio enfatiza sua beleza e a extraordinária habilidade poética de Lucrécio, mas não aborda os valores epicuristas da obra. Este é o começo da Renascença, e a Igreja Católica está em pé de guerra contra qualquer ameaça aos seus dogmas; manifestar simpatia pelas idéias revolucionárias em “Da Natureza” é extremamente arriscado.
Como Greenblatt escreve, “nenhum cidadão respeitável diz abertamente: A alma morre com o corpo. Não há julgamento após a morte. O universo não foi criado pelo poder divino, e toda a noção de vida após a morte é uma fantasia supersticiosa”. Ainda assim Lucrécio influenciou durante toda a Renascença vários artistas, pensadores e cientistas com as idéias de Epicuro.
Ao falar sobre os átomos “Lucrécio, que não gostava de linguagem técnica, não usa o termo filosófico grego, mas afirma que tudo é composto de partículas invisíveis. Tudo é formado por essas sementes e, em caso de dissolução, retorna à elas no final. Imutáveis, indivisíveis e infinitas em número, elas estão em constante movimento, chocando-se umas com as outros, unindo-se para formar novas formas, desmoronando e recombinando-se novamente, eternas.”
“A Virada” argumenta que “Da Natureza” mudou o curso da história, trazendo a filosofia epicurista de volta à luz. As cópias e traduções do livro inspiraram artistas renascentistas como Botticelli e pensadores como Giordano Bruno; moldaram o pensamento de Galileu e Freud, de Darwin e Einstein; e influenciaram escritores como Montaigne, Shakespeare e até Thomas Jefferson.
Apesar de “A Virada” ser um livro de não-ficção, a história da aventura de Poggio Bracciolini à caça de manuscritos raros pela Europa, tem em vários momentos a fluidez de uma obra de ficção. Leitura interessante e estimulante, porém se você não gosta de ver suas convicções religiosas questionadas, talvez este não seja um bom livro para você.
Duas semanas atrás, se alguém perguntasse qual meu livro favorito, eu teria dito “Memórias de Minhas Putas Tristes”, de Gabriel García Márquez. Se me perguntarem hoje, eu talvez responda “A Virada”, de Stephen Greenblatt.